21 de fevereiro de 2010

O poder das àguas

Impetuosas, as flagelações de um cavaleiro são subitamente furtadas pelo imponente poder carnal de uma ninfa, hábil no entanto bruto, riposta, sem possível estratégia de batalha contra o mais impiedoso inimigo, desfalece entre as pernas alvas criando o romantizado cenário que viria a ser a clara caligrafia contemporaneamente descrita nas páginas amarelas dos vindouros religiosos pederastas. Num paço inventado pela fúria ébria, dá um prolongamento estável ao ferro escaldante e resolve terminar num ponto claro as últimas lágrimas de um outro bruto.

Interrompeu o ciclo vermelho e decidiu.

O tacto da tentadora solução aproximava-se cada vez mais, e o calor de partida escasseava, audacidade tornava-se prioritária, sem necessidade e futuros devaneios, a resposta era clara. Como havia sido contestado pelos falsos gritos de outros tantos peões, refugiou-se num tronco, a lâmina prometia cessão infinita.

Não houve mais a elaborar após tal condolência inocente, as forças apoderaram-se do resto, nada mais restou senão terra, criadora da inevitável posição bélica.

17 de fevereiro de 2010

Ferir

Quase no fio da lâmina, rezou a antecipação de cinco segundos

Um escritor deixou de caminhar, e fechando os olhos, chora, enquanto sorri.
Enquanto se manifesta na forma que não parece natural, entra num estado de subtil demência, onde encontra o mimo nas falas dos dias. Traduz céus e mares, sempre distante do mundo, mas não o ignorando.

A navalha aproximava-se, restavam 3 segundos.

Conseguiu pensar em mudar, e superar as concepções originais do que eventualmente escreveu e disse, quer por gestos quer por tintas, mas aí só a alma que possuía ousava acudi-lo, e isso levantava um apocalipse apenas previsto nos finais anos das suas obras, dormir seria melhor, mas contradizer o próprio ser tornou-se a filosofia predominante. Enquanto sentia tremores nos dedos, providos do desejo de afogar aquela armadilha que era elevar o lápis à testa, a navalha aproximou-se.

Um corte, no entanto imunidade, tão mortal como um astro, fez a pele brilhar esquecendo a certeza de que os mimos não sangram.

O contra-ponto do profeta

A vontade sucumbe, finalmente amordaçada pelas casualidades provocadas sem responsáveis. Fantasmas ociosos, persistem em agir, injuriando as próprias normas que regem os seus movimentos, queimam os panos, e na espera de tecer novas realidades, esquecem as palavras, dando um novo fôlego à fuga carnal, a desertação da suposta e discriminatória forma de viver torna-se aliciante aos dedos destes contemporâneos goliardos. Conhecer a intenção, um rasgo de sabedoria agora no olvídio, imperava nos olhos do mentor, já o resto do rosto calava os trechos em papel, assim a demanda pelo silêncio já havia dado os primeiros gritos vitoriosos, considerando a tremenda ausência de renascentismo que se podia cortar entre os corpos, pode-se contornar tal hipótese de já terem passado para o mundo penado, mas de qualquer forma, nunca isto voltará a ser.

Nunca voltaremos a ver.

Claustro

Procurava a porta, havia uma distinta vontade de sair, um certo cheiro putrefacto assaltava o seu olfacto, mas já tendo procurado nos bolsos, sem êxito.

Pânico, as paredes pareciam tornar-se cada vez mais disformes segundo após segundo, e um som agudo e intermitente vinha de todas as direcções, não pensava como, sabia que estava ali, sabia como foi encarcerado sem misericórdia naquela asquerosa dimensão. Não lhe restava fazer nada senão cantar, sem cessar, a sua voz reconfortante iluminava no limite do possível o chão roído por insectos.

A luz era um enigma, não existiam fontes de ondas luminosas à vista, mas procurava ignorar tais trivialidades em base do medo que cada vez mais sentia.

Um dia encontrou uma pequena porta secreta, que conseguiu abrir com algum engenho, em vão, visto que quando trespassou a pequena abertura viu-se numa sala idêntica, ainda mais pequena. Depois de a explorar, ainda com esperança, adormeceu.

Enquanto dormia, sonhava com todas as salas de que já tinha entrado e saído, nunca encontrando uma que lhe agradasse.

8 de fevereiro de 2010

Mais um observador

Não estou certo do facto que um percurso, uma vida possam ser descritos com base em decisões, percorrendo todas as opções que são feitas, pois não sei discernir as que causam um impacto colossal no meu futuro e no dos que me rodeiam, e as que foram pobres acasos de futilidade neste jogo cósmico que é a nossa existência. Talvez não haja alguma diferença entre estas opções, mas eu estou em qualquer caso consciente de que as decisões que eu tomo e os seus efeitos não dependem inteiramente de mim, dando o óbvio exemplo do meu nascimento, não o escolhi, muito menos aqui, e nos tempos que decorrem...
No entanto, decidi aproveitá-lo, já há muito tempo, decidi inconscientemente, e sem saber o que significava decidir, mas decidi viver, e todos deviam ter o poder de fazer tal decisão. Partindo do momento crucial do meu aparecimento, nada que vos pareça extraordinário aconteceu (o observador acredita na complexidade da vista exterior), mas, para mim, olhando e rebuscando as teias da minha memória, cada momento foi simplesmente bizarro, e tão significante como o próximo, desde petiz fui exposto a conceitos que não consegui entender e a pessoas que não se esforçavam para mos explicar, e inocentemente, muito calado, aproveitava cada momento de mero silêncio verbal para vaguear pelo meu pensamento, sempre inconsciente que pensava, tenho pena de nunca terem conversado comigo acerca do que pensava, havia aqui um grande potencial, que, agora, ainda acredito existir, mas extremamente reduzido.
Tudo mudou com a música, com a exposição às formas de beleza, que já tinha visto, mas nunca contemplado, e as palavras que começava a ler um pouco por todo lado. Com as palavras que eu li, novas ideias surgiram, novos pensamentos ganharam liberdade de expressão, aprendi. A partir dos meus dez anos, conheci novos mundos, novas pessoas, e com elas construí novos fundos, aprendi que pensava, aprendi a escrever e a ler, a ouvir, a ver e, mais recentemente, a sentir, no sentido táctil e não só. Quando ainda não o sabia descrever, apaixonei-me, por pessoas, por imagens e sons, sempre obcecado com o que não compreendia, procurava também compreender-me a mim mesmo, e ainda hoje ainda procuro, ainda me apaixono. Nestes anos apercebi-me que gosto bastante de existir, e tomei essa consciência como uma forma de amar, partilhando com tudo o que me rodeia, o prazer que ser me dá.





















Já me julguei muitos: profeta; louco; escritor; artista; filósofo; poeta; deus, mas subestimei-me quando tal fazia, pois encontrei a descrição que mereço em não me descrever por outros termos, senão por humano, e isso é ser tudo. Posso acrescentar detalhes, porventura supérfluos, ao dizer que sei que não estou certo do que sinto, e sinto-me bem com isso, sem medo de morrer, falar, viver ou amar, sem medo de temer. Acho que cada vez tenho menos a perder, o que me dá um certo alento em perseguir uma liberdade que nos olha de frente, sempre à espera de ser abraçada, aceite, depende meramente da nossa vontade, e, como dizia Cesariny “fechar os olhos em frente ao precipício, e cair verticalmente no vício”. Sinto que o posso fazer, a qualquer altura que assim o queira, não manifestando qualquer outro pensamento que esteja ou não relacionado com o próprio acto.
Ganhei gostos, ideias eternas que vão sendo criadas com o tempo no mundo sensível, etéreas, físicas, são mais que o meu sangue, mas correm no mesmo corpo que tanto peso essencial e existencial carrega, tanto um como outro. Tomo tanto prazer em sentir como em pensar. O equilíbrio tornou-se a minha espiritualidade, substituindo o próprio sol que ainda amo como criador irracional disto. Vejo uma grande significância nos opostos que se completam, e com esperança de me tornar parte deste ponto em equilíbrio natural, continuo a pensar, a idealizar e a criar, simples humano, ser divino, que a sua divindade reconhece em tudo, um observador de uma brisa, de uma palavra, de uma alva mulher, de um gesto, do mundo, de mim próprio.